Essa carta escrevi para mim mesma em junho de 2009. Eu estava prestes a terminar uma etapa em minha vida e ser diagnosticada com depressão e fibromialgia. As palavras ainda me tocam; ainda há muito a ser mudado na minha vida.
Foto: Umbrella Shot
Querida Doralice
Essa carta eu escrevo para você, para
o primeiro lado de mim com o qual eu luto tanto. Escrevo para te
lembrar da leveza e da vontade de viver que eu tenho guardadas
comigo; um sutil detalhe do entardecer, um sorriso de um amigo, a
frescura de uma cerveja na segunda-feira à noite, a sempre presente
possibilidade de mudar os planos. Te escrevo para te lembrar de como
você gosta de coisas pequenas, pequenos detalhes gastronômicos,
pequenas demonstrações de afeto, pequenos papéis espalhados pelo
quarto, pequenos lembretes na agenda, pequenas idéias inacabadas. Te
escrevo para te dizer que eu sou a parte de você que tem ânsia de
terminar o começado, de ver as coisas concluídas, de fazer tudo
bem-feito e trabalhar sempre com um certa ideia de medida. Eu sou o
seu lado tranquilo, que consegue sorrir ao receber um bolo, que busca
entender o outro lado, que busca a paz e a harmonia, que quer a
felicidade e a leveza. Eu sou a parte de ti que acredita na vida, que
gosta de cantar, dançar e cozinhar, que quer escrever um livro, que
quer entender a diferença genérica entre conto e micro-conto, que
sente saudades, mas quer finalizar os processos. Eu sou a parte de ti
que fica brava quando você não se levanta ao soar o despertador,
que fica mal humorada quando você acorda tarde, perdendo assim a
metade do dia. Eu sou a parte de você que é contraditória, que
quer a perfeição, o melhor, o melhor. Eu te machuco, eu sei. Essa
ânsia não apenas de terminar, mas terminar bem, dentro de padrões
elevados de qualidade te destroem, eu acho. Porque você prefere não
fazer a fazer mal-feito. Eu tenho que mudar para você querer acordar
de manhã, eu tenho que aceitar que as coisas ficam assim, dentro da
possibilidade, que não serão perfeitas. Mas eu realmente gostaria
de te pedir que não parasse no meio mais uma vez. Eu sei da sua
vontade de pegar um avião e voltar para casa, cavar uma fossa e
se afundar lá dentro. Eu sei que você queria conseguir um emprego
qualquer para poder viver sem ter que pensar, sem ter que tentar
fazer o melhor. Eu sei que você não liga de ficar na fila do meio,
no meio do muro, usar a metade da folha. Eu queria ver o fim do
livro, o fim do caderno, ler a conclusão do texto. Eu queria fazer
as coisas, levantar, viver. E você fica buscando se matar pouco a
pouco. Eu queria que você parasse com esse hábito de te causar
pequenas mortes. Eu queria que você me deixasse viver, me libertasse
desse medo do futuro. Eu odeio quando você paralisa. Fica horas e
horas fazendo nada, absolutamente nada de especial, nada de útil,
nada. Preferiria que você estivesse a tomar uma cerveja ou passeando
ou viajando, mas não, você fica dentro do quarto, de janela e porta
fechadas maquinando a sua próxima morte. Eu queria que você parasse
com isso, por favor. Eu queria saber porque na nossa disputa você
tem vencido ultimamente. Ultimamente é tão amplo, eu estou falando
de meses. Eu queria saber como faço para te vencer, eu quero viver,
eu quero terminar as coisas que começam, eu quero parar de me matar
cada semana. Eu quero me permitir pequenos sorrisos e pequenas
felicidades. Eu queria que você gostasse mais de mim, acho que é
isso. Porque o fato de você me boicotar tanto deve ser porque você
não gosta de mim. Por que você não gosta de mim? O que eu fiz para
você me tratar tão mal? Eu fico tentando fazer as coisas direitinho
e você fica me impedindo de viver. Por quê? Ah... se você me
deixasse eu ia viver tranquilamente, ah, você podia me aceitar como
eu sou, parar de me julgar tanto. Por que você me maltrata assim?
Ei, levante daí e me responda? Hoje eu vou ganhar, você vai ver.
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