segunda-feira

Fibromialgia, digestão e somatização I

Há alguns meses comecei a escrever para tentar me encontrar. Para conseguir digerir a comida. A cada dia eu era capaz de digerir menos, chegava a pensar que ao final eu acabaria morrendo por falta de alimentação. Eu não sei qual é a relação entre sintomas do corpo e as (des)ordens mentais. Não sei até que ponto o ser humano é capaz de somatizar e creio que nunca chegarei perto disso porque nunca me interessei muito pelo estudo da biologia humana. Fato é que a escrita sempre foi minha forma de ancoragem com o mundo.
Imagem: Hey Paul Studios

Sempre escrevi, desde pequena; sempre gostei de imaginar histórias e situações, buscar no rosto das pessoas alguma resposta para as dúvidas que eu mesma criava sobre elas. Era como brincar de casinha, mas de um modo muito mais interessante e plástico. A escrita acompanhou-me por toda a minha vida como um elo com o mundo. Muitas vezes, como muitos, quis escapar dele, mas a escrita sempre me salvava.

No entanto, já faz alguns meses que resolvi cavucar profundo em mim para entender o que me impossibilitava de seguir em frente, mas que eu nunca sabia direito o que era. A resposta foi dolorosa e as consequências nada agradáveis para mim: adoeci, parei de escrever e não consegui mais assinar meu antigo nome.
Comecei a negar meu ser.
Paralisada, por meses a fio fiquei sem conseguir ler um único trecho literário. As letras me faziam fugir para o outro lado. Eu precisava fugir para não me encontrar. Paralisei. Descoberta a enfermidade causada, vieram os fortes remédios. A princípio a médica receitou-me um que de nada servia, fibromialgia, e as dores continuavam. Logo me disseram, essa dor não existe, vá logo a um psiquiatra e eu fui.
Sempre hesitei em ir a um psiquiatra, temia a habilidade da Medicina de buscar consertar as pessoas por meio de pílulas coloridas. Mas naquele momento tudo que eu sabia é que eu não aguentava mais não conseguir andar. Cedi à tarja negra.
Funcionou

Tanya / Flickr
como um paliativo. O ansiolítico servia-me apenas para aceitar melhor a dor, acostumar-me com ela. Percebi esse efeito nos dias em que me esquecia de tomar o remédio, acordava desesperadamente triste e a dor se fazia insuportável como nunca antes. De volta à reumatologista, ela decidiu retirar o tarja negra e eu suspirei aliviada.
No entanto, todos já estavam acostumados ao meu estado atônito-impassível-imperturbável. Como é possível que uma mera tira negra em uma caixa consiga transformar seres em humanos impressionantemente dóceis e maleáveis. Sentia-me um ser-ameba, moldável, ajustável a qualquer situação.
A reação à retirada do tarja negra foi a esperada, todos me preferiam dopada: fica mais fácil conviver com uma pessoa assim. E diziam que o outro remédio, tarja vermelha com retenção da receita, me deixava mais nervosa que o normal. E eis-me de um extremo ao outro.
Fato é que eu não consegui, até hoje, voltar a escrever e a assinar meu nome. Minha identidade está perdida entre tarjas coloridas de farmácia.

terça-feira

Doença, culpa e vergonha

Uns dos sentimentos que sempre aparecem na mente de uma pessoa com dor crônica é a culpa. Muitas vezes não percebemos que estamos nos culpando em inúmeras situações da nossa vida. O sintoma disso é que pedimos desculpas demais. Queremos ser perfeitos, queremos agradar a todos e quando não conseguimos fazê-lo, pedimos desculpas.

Mas nos esquecemos que não somos perfeitos, que jamais conseguiremos agradar a todos. Portanto não precisamos pedir desculpas pelas nossas imperfeições, nem nos culparmos. Retirarmos de nós mesmos o sentimento de culpa é um caminho para libertação e para a felicidade e consequente melhoria das dores.

Não devemos nos sentir culpados pela doença que algumas vezes no paralisa. Quantas vezes nos justificamos diante de alguma situação que requer um maior esforço físico... Eu sempre falo: "Me desculpe, mas meu braço é fraco", "Me desculpe, eu tenho uma doença...", "Me desculpe, tenho uma condição,..." "...uma incapacidade...". Não temos nenhuma obrigação de explicar nada disso quando dissemos que não. Não é rude. Você simplesmente não precisa se justificar.

Já faz três meses que sempre que vou ao centro da cidade (moro longe) preciso pegar o ônibus até uma estação e então subir várias escadas para ter acesso ao metrô. Em dias que estou bem as escadas não são um problema. Mas quando estou sentindo dor, sim. Vários foram os dias nos quais eu sentia muita dor, mas olhei com tristeza para o elevador e me dirigi às escadas porque eu não sabia o que falar ao operador pelo microfone ao pedir que liberasse a caixinha mágica. Eu via pessoas com cadeira de rodas, muletas, carrinhos de bebê usando o elevador. Mas eu tinha vergonha de pedir para usar porque afinal, eu pareço tão saudável. Eu tinha vontade de explicar para o moço "olha, eu tenho uma doença crônica que faz com que eu sinta dor, por isso, por mais que não pareça, eu estou sentindo dor e minhas pernas estão bem fracas."

Imagem: Christopher Neugebauer / Flickr

Mas faz sentido termos vergonha de nossa condição? Eu tenho vergonha de sentir dor? Você tem vergonha de precisar usar o elevador? Quem é que está nos julgando? O nosso pior juiz somos nós mesmos. Nós precisamos parar de nos julgar tanto e nos perdoamos pelo que quer que seja. Nos perdoar não significa pararmos de fazermos sempre uma autoanálise, tentando nos tornarmos pessoas melhores. Mas precisamos ser menos rígidos conosco. Mais amor para nós mesmos, por favor.

Imagem: Uuuuu uuuuuya / Flickr

Ontem eu estava sentindo dor na perna. Apertei o botão e falei para o operador "Por favor, eu preciso usar o elevador". Imediatamente ele liberou.

sábado

Receita sem glúten: Pão de tapioca de frigideira

Eu já escrevi aqui sobre como eu sinto uma relação forte entre a ingestão de glúten e as dores da fibromialgia. Quando parei de comer glúten passei a sentir menos dores e mais leve. O uso de vários anti inflamatórios me deixou com um estômago meio fresco, ficando difícil me alimentar, já que só de pensar em gordura eu já sentia náusea. Ouvi falar do pão de queijo de frigideira e resolvi olhar as receitas. Todas tinham ovo, e eu não me sinto bem ainda para comer ovo. Resolvi tentar fazer minha própria receita e, para minha surpresa, deu certo! Compartilho com vocês a receita:

aprox. 1/2 xícara de polvilho
aprox. 120 ml de leite
2 colheres de sopa de azeite
3 colheres de sopa de queijo cottage (acho que com outro queijo deve dar certo também, escolhi o cottage porque tem menos gordura)
sal a gosto.

Ferva o leite com o azeite. Jogue essa mistura aos poucos no polvilho e vá mexendo. Quando estiver quase líquido coloque o sal e o queijo e misture. Coloque em uma frigideira antiaderente bem quente. Espere firmar a parte de baixo. Repita do outro lado.

Você pode colocar temperos, alho, gergelim, o que quiser na massa pronta, é só misturar.

Fica assim o pão de tapioca. 

Essa foi a primeira tentativa, com farinha de arroz, que peguei por engano. Não gostei muito não. 

quinta-feira

Auto medicação

Muita gente que tem dor crônica se habitua a se automedicar. Automedicação é algo perigoso, mas a gente só está preocupado com uma coisa: diminuir a dor. Vamos colecionando anti inflamatórios, relaxantes musculares, pomadas de cânfora, opioides, chás, etc. Começamos obedecendo as recomendações médicas, com cada medicamento no seu devido horário e na sua devida quantidade. Porém, dez dias depois, a dor ainda não foi embora. Então começa-se a tomar, além dos medicamentos receitados pelo dr., tylenol tantas vezes por dia, ou aumenta a dose do ciclobenzaprina. E inúmeros efeitos colaterais começam a surgir. Seu intestino só funciona uma vez por semana, de manhã cedo você é um ser-ameba, suas mãos começam a tremer, sua visão parece um pouco mais embaçada. É hora, então, de voltar ao médico. Quando ele pergunta se você tomou os remédios corretamente você balança a cabeça. Quando ele te questiona se você está tomando mais algum medicamento vem o sorriso amarelo. "Aumentei o relaxante muscular porque estava sentindo muita dor, como passei a sentir sono de manhã, perdi o sono à noite, tive que tomar um calmante, tive uma crise e tomei tylenol, ou ibuprofeno tantas vezes por dia, mas daí meu intestino não funcionava mais, tomei um laxante natural" e por aí vai. Há pessoas que confiam em seu médico, e preferem perguntar antes de inserir novos medicamentos na lista diária. Outros, no entanto, teimosos, só aprendem quando a situação fica deplorável. Foi o que aconteceu comigo.


Imagem: Sparky

Eu estava bem, até ter uma situação emocional complicada que me tirou do equilíbrio. Vieram as dores e eu comecei a tentar de tudo. Anti inflamatórios, relaxantes musculares, fora os medicamentos naturais. Mas de repente eu acordo e não consigo mais comer. Só de pensar em comer sinto náuseas e faço um suco de couve com banana e laranja e acabo vomitando. Com o tempo vou conseguindo comer menos coisas, maçã, sushi, pêssego, limão, amêndoas, abacate, algas. E então preciso ir ao médico, até porque, algumas semanas nessa "dieta", já emagreci uns 5 quilos e estou anêmica. Chega a hora do sorriso amarelo e a dra. respira fundo e me explica que esses medicamentos anti inflamatórios e relaxantes musculares são péssimos para o estômago, que eu teria que parar de tomá-los. Balanço a cabeça. Eu fico impressionada com esses médicos que sabem que nós somos pessoas minimamente esclarecidas, mas que assim mesmo escolhemos fazer essas bobagens. Agora já perdi 8 kg. Antes eu queria mesmo perder uns quilinhos. Mas agora eu só quero ser capaz de comer a feijoada que está no freezer. E a médica mesma falou comigo, vou fazer um teste de gravidez em você. Eu disse que daria negativo. E deu negativo. Essa mistureba de remédios fez muito mal para o meu sistema digestivo. Então, se conselho serve para algo, não se auto medique. As consequências podem ser desastrosas.

sexta-feira

Tentativa terapêutica

Como já contei aqui, estou fazendo amizade com uma moça que tem dor crônica, mas continua fazendo inúmeras atividades da sua vida. Isso me fez pensar sobre meu posicionamento em relação à doença.

Quando estou sentindo muita dor, fico deitada na cama e espero a dor passar (às vezes não passa) ou durmo. Quando vejo uma escada, busco logo o elevador. Mas na última vez que fui a uma médica por causa dessas dores ela me disse, olha, se você estiver sentindo dores extremas, tudo bem, pode deitar, mas se for uma dor de nível médio, mova-se! Assim, comecei a mudar meus hábitos. Quando estou com dor média, mas com dificuldade de concentrar para ler ou trabalhar, eu vou lavar as vasilhas, limpar a casa. Comecei a fazer caminhadas com o cãozinho da vizinha. No primeiro dia fiz um esforço bem grande para caminhar, já que era uma subida aqui perto de casa. Mas hoje já é prazeroso caminhar. Eu acho que vale a pena tentar.

Eu posso escolher deixar de fazer todas as tarefas domésticas porque não tenho força no braço. Mas posso escolher, ao invés de parar, fazer aquilo que dou conta, cada dia mais e mais. Posso escolher ficar prostrada na cama, envolta em minha dor, mas posso escolher também pegar agulhas e lãs e fazer toquinhas para doar a bebês, ou ir a um asilo conversar com idosos, ou ir passear com os cães do abrigo de cães. Mas para isso a gente precisa começar. Sair do modo potência (que engloba tudo aquilo que podemos ser) e ir para o modo ato.

Foto: Gareth Williams